sábado, 4 de agosto de 2012

De onde vem as medalhas?


Em tempos de reciclagem e reaproveitamento, resolvi reapresentar um texto de 2008, escrito à época da Olimpíada de Beijin. Um pouco por preguiça, mas muito pela experiência de perceber as permanências que há muito nos afligem. Vale a pena, redivirta-se!

A cada olimpíada ressurge a velha ladainha motivada pela discreta presença do Brasil no quadro de medalhas. Muitos são os palpites sobre as razões para o desempenho e as soluções apontadas tomam como base os modelos adotados pelos países mais vitoriosos. Como geralmente disputam os primeiros lugares um país capitalista e outro socialista (este ano, como era previsto, EUA e China), o debate toma contornos ideológicos e é inevitável que as sugestões sejam semelhantes às que ouvimos para a economia, ou seja, maior ou menor participação do Estado, estímulo à livre iniciativa, investimento maciço no desenvolvimento do esporte amador em geral, ou aposta apenas nas modalidades a qual somos “vocacionados”.
Entretanto, a maioria parece concordar em pelo menos um aspecto: para que um país consiga atingir o nível de “potência olímpica”, é fundamental a participação das escolas na base do processo. O argumento é de que o incentivo ao esporte, a descoberta de talentos, a formação de jovens atletas, a promoção de competições escolares nos ajudaria a ter uma juventude mais saudável e o aumento do número de atletas de alto rendimento seria conseqüência natural. Parece razoável, embora não seja unânime, em Alvorada, por exemplo, há especialistas que rejeitam a competição escolar, priorizando os jogos cooperativos. Mas admitindo-se que as escolas públicas absorvam mais esse papel e integrem um “projeto olímpico”, é preciso considerar algumas questões estruturais.
A mais importante, ao meu ver, diz respeito ao profissional encarregado da tarefa de selecionar e treinar os alunos destacados. Hoje não há professores com carga horária destinada a este tipo de projeto, o que sobrecarrega o professor de Educação Física e prejudica o atendimento dos alunos que não estão nas seleções. Os treinamentos deveriam ocorrer em turnos inversos aos das aulas normais, que devem ser para todos e com outros objetivos pedagógicos. As escolas que participam dos jogos escolares precisam se desdobrar para garantir as aulas dos demais enquanto o professor acompanha a equipe, que por sua vez não pôde treinar ou treinou pouco. Atribuir este trabalho de treinamento e acompanhamento a um pai voluntário é temerário, pois este geralmente não é profissional habilitado e não responde legalmente pelos outros alunos.
Há também o problema do material e do espaço utilizado. Bolas para todas as modalidades, redes, pesos, discos, tacos de largada, bastões, colchonetes e colchões, luvas, uniformes, raquetes, quadras poliesportivas, pistas, caixas de salto, e muito mais coisas seriam necessárias, acarretando um custo fora da realidade atual. Muitas quadras das escolas em Alvorada estão em péssimas condições e são utilizadas por mais de dois mil alunos toda semana. Ou seja, a estrutura é precária para o dia-a-dia escolar, imagine-se para expandir o trabalho com vistas à preparação de atletas de competição.
O que quero dizer é que as escolas não estão ainda em condições de dar esta resposta à ânsia geral por “medalha, medalha, medalha”, como dizia Mutley, o cão ajudante do Dick Vigarista. Sabemos que não se faz as coisas senão aos poucos e com muito empenho e boa vontade, mas é preciso um mínimo de planejamento e suporte. Até se pode obter resultados sem muito dinheiro, como em Cuba, mas lá existe um projeto que prioriza a educação e o esporte. No Brasil, as atribuições das escolas já são muitas e as parcerias cada vez mais escassas. Além disso, estamos longe do pódio da qualidade de ensino, e essa medalha ainda tem de ser a nossa prioridade.

Texto publicado originalmente no site A Trincheira e Nosso Jornal, em 2008.