sexta-feira, 1 de março de 2013

O Fantasma da Aprovação


Diz-se que vai mal a educação gaúcha, e um dos motivos seria o alto índice de reprovação escolar. Superar este problema não é simples, por se tratar de questão cultural, construída no tempo em que a escola era privilégio de poucos. Valoriza-se a exigência, que nos garantiria um suposto ensino de qualidade, embora excludente. A excelência do ensino gaúcho esteve baseada na avaliação classificatória. Quando o desafio passou a ser ensinar bem a todos, iniciaram as dificuldades. Daí a perceptível resistência sobre mudanças que pareçam significar “facilidades” para a aprovação. Isto verifica-se, por exemplo, no reestruturado Ensino Médio Politécnico e na experiência da progressão continuada, nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
É recorrente a opinião de que o aluno deve ser esforçado e comportado durante o ano para, assim, “merecer” aprovação. Do contrário, defende-se que deva ser retido na etapa de ensino para, no ano seguinte, poder “passar mais forte”. Mas a crença de que a reprovação é um bem que se faz ao aluno que não atingiu os objetivos, mesmo amparada em boas intenções, não encontra respaldo na realidade. Nada garante que o aluno, ao repetir a rotina de um ano inteiro, mesmos conteúdos e metodologia, mais velho entre alunos menores, se sairá melhor que antes. Dificilmente há ênfase aos conteúdos não assimilados no ano anterior, o aluno repetente recebe o mesmo ensino dos demais colegas. Não há nenhum tipo de estratégia diferenciada. Pode-se dizer mesmo que o professor desconhece, no ano seguinte, o motivo da reprovação, as habilidades não desenvolvidas, os conceitos não apropriados. A reprovação não é uma ferramenta pedagógica, apenas transfere o problema para o futuro, sem maiores contribuições.
Por outro lado, é sabido que a reprovação gera evasão e, por conseqüência, pior qualidade de vida, subemprego, exclusão social. Baixa escolaridade é também traço comum no perfil de muitos jovens contraventores. Não se pode, portanto, atribuir a reprovação a causas humanitárias. Além disso, a aprovação não tem, necessariamente, correspondido a uma aprendizagem consolidada. Muitas vezes os objetivos curriculares são obsoletos, sem significação ou relação com a realidade.
Mas o que fazer em relação aos “relapsos”, que não demonstram empenho, não produzem? E aqueles com dificuldades de aprendizagem? Reprová-los é a melhor saída? Em alguns sistemas de ensino, como o inglês, não há previsão de retenção do aluno. Outros paises admitem reprovação somente após o Ensino Primário. A nossa progressão continuada estabelece um ciclo de aprendizagem sem reprovação até o 3ª ano. É possível, pois, uma educação que prescinda da reprovação, muito embora isso signifique maiores responsabilidades a pais e alunos. E nossas famílias não tem tradição escolar centenária, o acesso universal é relativamente recente, nem todos compreendam plenamente a importância do ato de estudar.
O que seria pedagogicamente mais adequado? O Estado oferecer treze anos de ensino básico, nada mais, dentro dos quais o aluno deve tratar de aprender o máximo possível, para seu próprio bem? Ou o Estado, através da escola, atribuir a si mesmo o papel de tutor intelectual do aluno, decidindo o que é melhor para este, segundo o entendimento dos professores, não importando o tempo e quantidade de recursos despendidos?
Este é, possivelmente, um falso dilema. O problema não está na aprovação ou reprovação, mas no que se perde quando focamos apenas o resultado final: o processo. É no processo que o ensino se consolida, onde as ações reparadoras são realmente eficientes. E o processo implica avaliação permanente, acompanhamento pedagógico, reforço escolar, encaminhamentos junto à família, junto a especialistas, quando for o caso. Cabe aos governos garantir estrutura adequada para isso, seja com pessoal, estrutura física, criando redes de atendimento junto à saúde e assistência social. Havendo qualquer falha no processo, o resultado final não pode ser atribuído apenas ao aluno.
Havendo, contudo, uma avaliação voltada para o processo, uma avaliação como um meio e não um fim, com a observação minuciosa e constante do desempenho do estudante, envolvendo os setores escolares e as famílias, pode-se superar a reprovação sem o temor de uma aprovação artificial, sem aprendizado.