Em tempos de reciclagem e reaproveitamento, resolvi reapresentar um texto de 2008, escrito à época da Olimpíada de Beijin. Um pouco por preguiça, mas muito pela experiência de perceber as permanências que há muito nos afligem. Vale a pena, redivirta-se!
A cada
olimpíada ressurge a velha ladainha motivada pela discreta presença do Brasil no
quadro de medalhas. Muitos são os palpites sobre as razões para o desempenho e
as soluções apontadas tomam como base os modelos adotados pelos países mais
vitoriosos. Como geralmente disputam os primeiros lugares um país capitalista e
outro socialista (este ano, como era previsto, EUA e China), o debate toma
contornos ideológicos e é inevitável que as sugestões sejam semelhantes às que
ouvimos para a economia, ou seja, maior ou menor participação do Estado,
estímulo à livre iniciativa, investimento maciço no desenvolvimento do esporte
amador em geral, ou aposta apenas nas modalidades a qual somos “vocacionados”.
Entretanto, a
maioria parece concordar em pelo menos um aspecto: para que um país consiga
atingir o nível de “potência olímpica”, é fundamental a participação das
escolas na base do processo. O argumento é de que o incentivo ao esporte, a
descoberta de talentos, a formação de jovens atletas, a promoção de competições
escolares nos ajudaria a ter uma juventude mais saudável e o aumento do número
de atletas de alto rendimento seria conseqüência natural. Parece razoável,
embora não seja unânime, em Alvorada, por exemplo, há especialistas que
rejeitam a competição escolar, priorizando os jogos cooperativos. Mas
admitindo-se que as escolas públicas absorvam mais esse papel e integrem um
“projeto olímpico”, é preciso considerar algumas questões estruturais.
A mais
importante, ao meu ver, diz respeito ao profissional encarregado da tarefa de
selecionar e treinar os alunos destacados. Hoje não há professores com carga
horária destinada a este tipo de projeto, o que sobrecarrega o professor de
Educação Física e prejudica o atendimento dos alunos que não estão nas
seleções. Os treinamentos deveriam ocorrer em turnos inversos aos das aulas
normais, que devem ser para todos e com outros objetivos pedagógicos. As
escolas que participam dos jogos escolares precisam se desdobrar para garantir
as aulas dos demais enquanto o professor acompanha a equipe, que por sua vez
não pôde treinar ou treinou pouco. Atribuir este trabalho de treinamento e
acompanhamento a um pai voluntário é temerário, pois este geralmente não é
profissional habilitado e não responde legalmente pelos outros alunos.
Há também o
problema do material e do espaço utilizado. Bolas para todas as modalidades,
redes, pesos, discos, tacos de largada, bastões, colchonetes e colchões, luvas,
uniformes, raquetes, quadras poliesportivas, pistas, caixas de salto, e muito
mais coisas seriam necessárias, acarretando um custo fora da realidade atual.
Muitas quadras das escolas em Alvorada estão em péssimas condições e são
utilizadas por mais de dois mil alunos toda semana. Ou seja, a estrutura é
precária para o dia-a-dia escolar, imagine-se para expandir o trabalho com
vistas à preparação de atletas de competição.
O que quero
dizer é que as escolas não estão ainda em condições de dar esta resposta à
ânsia geral por “medalha, medalha, medalha”, como dizia Mutley, o cão ajudante
do Dick Vigarista. Sabemos que não se faz as coisas senão aos poucos e com
muito empenho e boa vontade, mas é preciso um mínimo de planejamento e suporte.
Até se pode obter resultados sem muito dinheiro, como em Cuba, mas lá existe um
projeto que prioriza a educação e o esporte. No Brasil, as atribuições das
escolas já são muitas e as parcerias cada vez mais escassas. Além disso,
estamos longe do pódio da qualidade de ensino, e essa medalha ainda tem de ser
a nossa prioridade.
Texto publicado originalmente no site A Trincheira e Nosso Jornal, em 2008.