domingo, 27 de março de 2016

Cinquentenário e desmemória


Ai de ti, minha Alvorada! Chegas ao cinquentenário sem que façam justiça à tua história. Encartado junto ao Diário Gaúcho neste dia 17, o já tradicional Informe Especial em homenagem ao aniversário da cidade reproduz mais uma vez uma versão equivocada a respeito da origem do povoamento destas terras. Para minha frustração, vejo que a mesma versão ainda é apresentada em documentos e fontes que há anos vem iludindo aqueles que desejam se informar sobre os primeiros moradores do que veio a se tornar Alvorada.
Já foi comprovado, com pesquisas em fontes primárias e estudos genealógicos, que João Batista Feijó, apesar de ter ocupado terras na Estância Grande dos antigos Campos de Viamão, não tem relação alguma com Alvorada, pois a Estância Grande que lhe pertenceu fica a mais de uma centena de quilômetros daqui, entre São Francisco de Paula e Cambará do Sul.
De fato, o primeiro povoador destas terras em que pisamos foi Manoel de Souza Feijó, como demonstram documentos disponíveis no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e comprovam estudos genealógicos com riqueza de detalhes sobre a descendência dele nos anos posteriores e até os dias atuais.
Tudo isso, inclusive a indicação das fontes, pode ser verificado no meu texto A traição das fontes: a ocupação inicial de Alvorada, publicado no livro Raízes de Alvorada – Memória, História e Pertencimento, organizado pela historiadora Dr. Véra Lucia Maciel Barroso. Esta, juntamente com o genealogista Renato Franzen atestam essa versão em seus textos no mesmo livro.
 Feliz aniversário, Alvorada. Um dia merecerás que a a devida correção seja enfim reconhecida e aceita pelos órgãos oficiais, que continuam reproduzindo desmemória.

sexta-feira, 1 de março de 2013

O Fantasma da Aprovação


Diz-se que vai mal a educação gaúcha, e um dos motivos seria o alto índice de reprovação escolar. Superar este problema não é simples, por se tratar de questão cultural, construída no tempo em que a escola era privilégio de poucos. Valoriza-se a exigência, que nos garantiria um suposto ensino de qualidade, embora excludente. A excelência do ensino gaúcho esteve baseada na avaliação classificatória. Quando o desafio passou a ser ensinar bem a todos, iniciaram as dificuldades. Daí a perceptível resistência sobre mudanças que pareçam significar “facilidades” para a aprovação. Isto verifica-se, por exemplo, no reestruturado Ensino Médio Politécnico e na experiência da progressão continuada, nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
É recorrente a opinião de que o aluno deve ser esforçado e comportado durante o ano para, assim, “merecer” aprovação. Do contrário, defende-se que deva ser retido na etapa de ensino para, no ano seguinte, poder “passar mais forte”. Mas a crença de que a reprovação é um bem que se faz ao aluno que não atingiu os objetivos, mesmo amparada em boas intenções, não encontra respaldo na realidade. Nada garante que o aluno, ao repetir a rotina de um ano inteiro, mesmos conteúdos e metodologia, mais velho entre alunos menores, se sairá melhor que antes. Dificilmente há ênfase aos conteúdos não assimilados no ano anterior, o aluno repetente recebe o mesmo ensino dos demais colegas. Não há nenhum tipo de estratégia diferenciada. Pode-se dizer mesmo que o professor desconhece, no ano seguinte, o motivo da reprovação, as habilidades não desenvolvidas, os conceitos não apropriados. A reprovação não é uma ferramenta pedagógica, apenas transfere o problema para o futuro, sem maiores contribuições.
Por outro lado, é sabido que a reprovação gera evasão e, por conseqüência, pior qualidade de vida, subemprego, exclusão social. Baixa escolaridade é também traço comum no perfil de muitos jovens contraventores. Não se pode, portanto, atribuir a reprovação a causas humanitárias. Além disso, a aprovação não tem, necessariamente, correspondido a uma aprendizagem consolidada. Muitas vezes os objetivos curriculares são obsoletos, sem significação ou relação com a realidade.
Mas o que fazer em relação aos “relapsos”, que não demonstram empenho, não produzem? E aqueles com dificuldades de aprendizagem? Reprová-los é a melhor saída? Em alguns sistemas de ensino, como o inglês, não há previsão de retenção do aluno. Outros paises admitem reprovação somente após o Ensino Primário. A nossa progressão continuada estabelece um ciclo de aprendizagem sem reprovação até o 3ª ano. É possível, pois, uma educação que prescinda da reprovação, muito embora isso signifique maiores responsabilidades a pais e alunos. E nossas famílias não tem tradição escolar centenária, o acesso universal é relativamente recente, nem todos compreendam plenamente a importância do ato de estudar.
O que seria pedagogicamente mais adequado? O Estado oferecer treze anos de ensino básico, nada mais, dentro dos quais o aluno deve tratar de aprender o máximo possível, para seu próprio bem? Ou o Estado, através da escola, atribuir a si mesmo o papel de tutor intelectual do aluno, decidindo o que é melhor para este, segundo o entendimento dos professores, não importando o tempo e quantidade de recursos despendidos?
Este é, possivelmente, um falso dilema. O problema não está na aprovação ou reprovação, mas no que se perde quando focamos apenas o resultado final: o processo. É no processo que o ensino se consolida, onde as ações reparadoras são realmente eficientes. E o processo implica avaliação permanente, acompanhamento pedagógico, reforço escolar, encaminhamentos junto à família, junto a especialistas, quando for o caso. Cabe aos governos garantir estrutura adequada para isso, seja com pessoal, estrutura física, criando redes de atendimento junto à saúde e assistência social. Havendo qualquer falha no processo, o resultado final não pode ser atribuído apenas ao aluno.
Havendo, contudo, uma avaliação voltada para o processo, uma avaliação como um meio e não um fim, com a observação minuciosa e constante do desempenho do estudante, envolvendo os setores escolares e as famílias, pode-se superar a reprovação sem o temor de uma aprovação artificial, sem aprendizado.

sábado, 4 de agosto de 2012

De onde vem as medalhas?


Em tempos de reciclagem e reaproveitamento, resolvi reapresentar um texto de 2008, escrito à época da Olimpíada de Beijin. Um pouco por preguiça, mas muito pela experiência de perceber as permanências que há muito nos afligem. Vale a pena, redivirta-se!

A cada olimpíada ressurge a velha ladainha motivada pela discreta presença do Brasil no quadro de medalhas. Muitos são os palpites sobre as razões para o desempenho e as soluções apontadas tomam como base os modelos adotados pelos países mais vitoriosos. Como geralmente disputam os primeiros lugares um país capitalista e outro socialista (este ano, como era previsto, EUA e China), o debate toma contornos ideológicos e é inevitável que as sugestões sejam semelhantes às que ouvimos para a economia, ou seja, maior ou menor participação do Estado, estímulo à livre iniciativa, investimento maciço no desenvolvimento do esporte amador em geral, ou aposta apenas nas modalidades a qual somos “vocacionados”.
Entretanto, a maioria parece concordar em pelo menos um aspecto: para que um país consiga atingir o nível de “potência olímpica”, é fundamental a participação das escolas na base do processo. O argumento é de que o incentivo ao esporte, a descoberta de talentos, a formação de jovens atletas, a promoção de competições escolares nos ajudaria a ter uma juventude mais saudável e o aumento do número de atletas de alto rendimento seria conseqüência natural. Parece razoável, embora não seja unânime, em Alvorada, por exemplo, há especialistas que rejeitam a competição escolar, priorizando os jogos cooperativos. Mas admitindo-se que as escolas públicas absorvam mais esse papel e integrem um “projeto olímpico”, é preciso considerar algumas questões estruturais.
A mais importante, ao meu ver, diz respeito ao profissional encarregado da tarefa de selecionar e treinar os alunos destacados. Hoje não há professores com carga horária destinada a este tipo de projeto, o que sobrecarrega o professor de Educação Física e prejudica o atendimento dos alunos que não estão nas seleções. Os treinamentos deveriam ocorrer em turnos inversos aos das aulas normais, que devem ser para todos e com outros objetivos pedagógicos. As escolas que participam dos jogos escolares precisam se desdobrar para garantir as aulas dos demais enquanto o professor acompanha a equipe, que por sua vez não pôde treinar ou treinou pouco. Atribuir este trabalho de treinamento e acompanhamento a um pai voluntário é temerário, pois este geralmente não é profissional habilitado e não responde legalmente pelos outros alunos.
Há também o problema do material e do espaço utilizado. Bolas para todas as modalidades, redes, pesos, discos, tacos de largada, bastões, colchonetes e colchões, luvas, uniformes, raquetes, quadras poliesportivas, pistas, caixas de salto, e muito mais coisas seriam necessárias, acarretando um custo fora da realidade atual. Muitas quadras das escolas em Alvorada estão em péssimas condições e são utilizadas por mais de dois mil alunos toda semana. Ou seja, a estrutura é precária para o dia-a-dia escolar, imagine-se para expandir o trabalho com vistas à preparação de atletas de competição.
O que quero dizer é que as escolas não estão ainda em condições de dar esta resposta à ânsia geral por “medalha, medalha, medalha”, como dizia Mutley, o cão ajudante do Dick Vigarista. Sabemos que não se faz as coisas senão aos poucos e com muito empenho e boa vontade, mas é preciso um mínimo de planejamento e suporte. Até se pode obter resultados sem muito dinheiro, como em Cuba, mas lá existe um projeto que prioriza a educação e o esporte. No Brasil, as atribuições das escolas já são muitas e as parcerias cada vez mais escassas. Além disso, estamos longe do pódio da qualidade de ensino, e essa medalha ainda tem de ser a nossa prioridade.

Texto publicado originalmente no site A Trincheira e Nosso Jornal, em 2008.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Povo de Sucupira

O que é o que é: acontece uma vez a cada quatro anos, todo mundo espera ansioso, mas quando chega dura pouco? Ano bissexto? Copa do Mundo? Olimpíadas? Não, é a presteza administrativa da prefeitura de Alvorada!
Meu amigo Diego andou comparando a nossa administração municipal à novela setentista O Bem Amado, onde o prefeito Odorico Paraguaçu lançava mão das artimanhas mais malucas para perpetuar-se no poder.
Realmente, o que temos visto nos últimos meses em Alvorada só encontra paralelo na ficção mais caricata. Na nossa pobre cidade, onde os serviços foram se deteriorando ao longo dos últimos anos, o lixo voava livre pela avenida principal, as ruas pessimamente iluminadas, as principais vias sem as menores condições de tráfego, de repente começaram a brotar máquinas, serviços, funcionários.
Cavalgando sobre a tão faraônica quanto polêmica Internet Social, chegam várias outras benfeitorias, como aparelhos de ginástica na praça, reforma das calçadas, ampliação dos horários dos postos de saúde, ampliação do programa Segundo Tempo nas escolas, sem falar no manjado recapeamento asfáltico.
Ótimo, não se trata de pôr-se contra as coisas estarem sendo feitas, enfim, mas a pergunta que uma pessoa sensata deve estar se fazendo é óbvia: onde, afinal, estava o dinheiro? Porque não tivemos uma administração de quatro anos, como seria de esperar? Transitei pela Getúlio Vargas até o Passo da Figueira por todos estes quatro anos, fiz caminhadas em torno da praça, com seis tipos diferentes de piso, incluindo o chão batido, pelo mandato inteiro. Encontrei horários reduzidos em postos de saúde e até na prefeitura. Acompanhei flagrante inoperância em diversas áreas e secretarias. E agora, aos 45 minutos do segundo tempo, tentam me apresentar um cenário paradisíaco, tão artificial quanto improvável?
Entende-se que o último ano de uma administração tenha um pique mais acelerado, obras concluídas, alguma pintura nova. Mas fazer disso um método de governo é muito triste, nos torna pequenos, provincianos, clientes melancólicos de paternalismos políticos. Francamente, se os alvoradenses em geral tivessem maior auto-estima, perceberiam com facilidade as diferenças nada sutis entre uma boa administração e um conjunto de benefícios eleitoreiros. Jamais se deixariam enganar com acenos bissextos de boas intenções.
Agora, se o pacote de bondades se reverter em dividendos eleitorais, talvez estejamos diante de um caso patológico, uma espécie de síndrome de Estocolmo coletiva, em que a vítima se afeiçoa ao sequestrador. Não podemos perder de vista que sempre foi nosso direito de cidadãos um governo que nos atenda nos 1461 dias do mandato. Até porque 2016 está distante e ainda temos que sobreviver a 2013, 2014 e 2015.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Nossos jovens querem estudar?



Nos últimos anos o Brasil tem apresentado um cenário inimaginável, ao menos para os observadores da minha geração. A despeito da profunda desigualdade social, mantida a partir de baixos salários e exclusões de diferentes matizes, é hoje bem mais fácil obter um emprego do que há uma década atrás. Pode não ser grande coisa para quem está chegando agora, mas para um jovem que atravessou os anos 80 e 90, o mundo parecia se encaminhar para um grande Mad Max, uma competição selvagem pela vida.
Surfando na onda de um momento favorável da economia, os jovens precisam se credenciar para acessar os benefícios possíveis. Precisam estar preparados quando as chances aparecerem, até porque ninguém sabe quanto tempo durará esta fase de muitos empregos. E para isso só tem um jeito: instrução escolar.
O problema é que observamos um movimento preocupante no sentido inverso: jovens abandonando os estudos muito antes de completarem os níveis básicos. Muitas são as especulações sobre os motivos para a evasão, mas as consequências podem ser antecipadas: Primeiro, um grande número de jovens que não poderão acessar o mercado de trabalho, mesmo que existam vagas disponíveis. Segundo, com efeitos ainda mais graves, um grande número de jovens sem as condições de cidadania plena, que só é possível a um sujeito esclarecido.
Há esforços para tentar reverter este movimento. Por polêmica que seja, a mudança no Ensino Médio trás na sua raiz a necessidade de atribuir significado a um período da vida escolar que já vinha desgastado por uma fórmula que não levava a lugar nenhum. Em Alvorada avizinha-se um novo tempo com a instalação de uma Escola Técnica Federal, de nível médio e também pós-médio, que deve injetar algum ânimo nos adolescentes mais antenados.
Além disso, estamos iniciando os preparativos para a edição 2012 do ProJovem Urbano, que este ano concentrará turmas nas escolas Brigadeiro Antônio Sampaio e Antônio de Castro Alves. Trata-se de um curso noturno de Ensino Fundamental, em um período de 18 meses, no qual o aluno estudará em condições favoráveis de acolhimento, com pedagogia especial voltada ao jovem de 18 a 29 anos. Todo o projeto está concebido com o objetivo de trazer de volta jovens que abandonaram a escola em determinado momento de suas vidas, para que consigam concluir o Ensino Fundamental com ênfase em qualificação profissional. Espera-se com isso que centenas de jovens em situação de exclusão possam iniciar um novo momento de suas vidas, com melhores chances de trabalho e com maior participação social na sua cidade.
As escolas já estão recebendo pré-inscrições. Será que os jovens vão querer?

domingo, 18 de setembro de 2011

Mais do Mesmo

Esta semana o Ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que projeta aumentar o tempo que os alunos brasileiros passam nas escolas. Entende, com razão, que os nossos jovens tem uma carga horária escolar insuficiente. Nosso sistema estabelece a quantidade de 800 horas em um mínimo de 200 dias letivos. Significa uma média de 4 horas diárias. Pouco.
A forma como efetuar o aumento estaria em debate, mas três alternativas se destacam. A primeira é o simples aumento de dias letivos, de 200 para 220. É a predileta do ministro, principalmente por exigir menor investimento na estrutura existente. A segunda seria o aumento na carga horária diária, de 4 horas para até 7 horas. Há nesta opção alternativas em experimentação, entre elas o projeto Mais Educação, em que os alunos participam de oficinas no contra turno escolar. O turno integral efetivo também se enquadra nesta forma. A terceira seria uma união das duas anteriores, aumentando em algumas horas a carga diária e complementando com aumento nos dias letivos.
Procurando dados escolares mundo afora, encontrei o site da FEPESP, Federação dos Professores do Estado de São Paulo (sindicato da rede privada) www.fepesp.org.br, que trás uma tabela apresentada pela OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Vejamos o que diz a FEPESP e a tabela a seguir:

“Haddad disse ter constatado que o número de dias letivos no Brasil é inferior a muitos países. Mas ele não está certo.
A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico divulgou o relatório Education at a glance 2011, que apontou exatamente o contrário: são poucos os países que possuem mais de 190 dias letivos e o Brasil é um deles.
Nos países da OCDE, os professores lecionam, em média, de 183 a 186 dias, de acordo com o nível de ensino. Apenas quatro países têm 200 ou mais dias letivos e destes, só a Coreia possui 220.”

Trabalho dos professores - número de dias letivos/ano
Países membros da OCDE

Fundamental I (1)
Fundamental II (1)
Ensino Médio (1)
Alemanha
193
193
193
Austrália
197
197
193
Áustria
180
180
180
Bélgica (Flandres)
178
179
179
Bélgica (Valônia)
183
183
183
Canadá
Chile
191
191
191
Coreia
220
220
220
Rep. Tcheca
189
189
189
Dinamarca
200
200
200
Escócia
190
190
190
Eslováquia
187
187
187
Eslovênia
190
190
190
Espanha
176
176
171
Estados Unidos
180
180
180
Estônia
175
175
175
Finlândia
188
188
188
França
Grécia
177
157
157
Hungria
181
181
181
Inglaterra
190
190
190
Irlanda
183
167
167
Islândia
176
176
171
Israel
183
176
176
Itália
172
172
172
Japão
201
201
198
Luxemburgo
176
176
176
México
200
200
176
Noruega
190
190
190
Nova Zelândia
--
--
--
Países Baixos
195
--
--
Polônia
181
179
180
Portugal
175
175
175
Rep. Tcheca
189
189
189
Suécia
--
--
--
Suíça
--
--
--
Turquia
180
--
180
Média OCDE
186
185
181

Outros países

Fundamental I (1)
Fundamental II (1)
Ensino Médio(1)
Argentina
170
171
171
Brasil
200
200
200
China
175
175
175
Indonésia
251
163
163
Rússia
164
169
169

OCDE. Education at a glance 2011, p. 428 .
 
Notas da Fepesp:
(1) No original: primary education, lower secondary education e upper secondary education
(2) No Canadá, o ano letivo tem duração de 190 dias
(3) Na França, o ano letivo é de 144 dias no primário e de 175 a 180 dias no primeiro e segundo ciclo do secundário.

Avaliando esta tabela, entendo que aumentar os dias letivos para 220 é uma solução simplista do governo. Não exige maiores investimentos na estrutura física da escola, não garante maior qualidade no ensino, não subentende contratação de mais professores. Apenas pretende que os atuais professores dêem mais aulas por mais dias, para que os alunos estejam mais tempo “expostos ao ambiente escolar”. Este aumento poderá significar mais um mês para os professores lecionarem, e os efeitos já podem ser adivinhados: estafa, estresse, esgotamento mental, tendinites, problemas de voz, desistência.
Além de pretender fazer economia, a proposta sugere o fortalecimento de uma função colateral da escola, mas que vem sendo tratada quase como prioritária: um local para “cuidar” as crianças enquanto os pais trabalham.
O turno integral é mesmo a melhor e mais efetiva forma de oferecer maior quantidade com qualidade nas aulas. Mas nem o projeto Mais Educação me parece solução, embora funcione bem em muitos lugares. Um mínimo de cem alunos são atendidos por três horas diárias, no turno inverso. Ali, os estudantes participam de oficinas de atividades esportivas, artísticas e reforço escolar. Mas os monitores não são vinculados à escola nem precisam ter formação pedagógica. Recebem uma bolsa auxílio de baixo valor. Escolas pequenas simplesmente não tem como receber o total de alunos em tempo integral, de forma que algumas das oficinas são realizadas em galpões de associações e clubes. Assim, o Mais Educação é a terceirização do contra turno.
Entendo que o MEC e os governos estaduais devem assumir suas responsabilidades e não inventar “jeitinhos” para aumentar a jornada dos estudantes. A solução passa por pesados investimentos, para que as escolas possam atender os alunos em turno integral de verdade. O espaço físico deve ser adequado para isto, dos pátios aos refeitórios, das quadras de esportes aos banheiros. Novas escolas devem ser construídas. Professores e especialistas devem ser contratados.
Do contrário, o ensino brasileiro estará apenas oferecendo mais do mesmo, sem abordar o principal. Propostas como o aumento de dias letivos servem para chamar atenção, causam debate, dão destaque para os proponentes, o que é bom para quem pretende disputar eleições ano que vem, como o ministro.

domingo, 11 de setembro de 2011

Meu 11 de Setembro

Neste domingo completam-se dez anos do atentado que será lembrado para sempre, independente das opiniões, pela dimensão, significados, conseqüências práticas e no âmbito das mentalidades. Muitas coisas mudaram nestes dez anos, algumas sob influência direta do 11 de Setembro de 2001. O fechamento desta primeira década merece de fato o número de reflexões e retrospectivas que vem recebendo. Mas o que ainda poderia ser dito sobre o assunto que não tenha recebido já longas considerações?
Fácil: a experiência pessoal de cada um. Como o 11/09 refletiu em cada indivíduo nenhum especialista tem como abordar. O meu caso, me parece que vale a pena escrevê-lo, embora não tenha a certeza de que vale a pena lê-lo. Faço, pois, a minha parte, e meus turistas que decidam se farão a sua!
Andava no segundo ano como professor. Pela manhã, no momento dos ataques, estava na escola Brigadeiro Antônio Sampaio e pela tv assisti a primeira torre em chamas, ainda de pé. Minutos após, retorno e descubro que, se um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, o mesmo não se pode dizer de aviões seqüestrados: a segunda torre havia sido atingida da mesma forma que a outra. Não dava mais para desgrudar da tela, me somei aos milhões que assistiram em tempo real o desenrolar dos fatos, que culminaram com a implosão do World Trade Center inteiro.
Mas foram os dias que se seguiram que ficaram marcados na minha lembrança, chamaram atenção para a relevância da profissão que tinha escolhido e que há pouco começara a exercer. Sem encontrar explicações no presente, muitos dos meios de comunicação se socorreram dos historiadores para que o passado pudesse oferecer indícios.
Como ninguém ficou indiferente, nas salas de aula também os professores de história foram requisitados a se manifestarem. Nas minhas aulas, sempre surgia a pergunta sobre os atentados. Era uma tarefa da qual não podíamos nem queríamos nos esquivar, o interesse dos alunos é combustível que não se despreza em hipótese alguma. Aliás, para um ex aluno do professor Enrique Padrós, do Departamento de História da UFRGS, abordar a História do tempo imediato era mais do que uma oportunidade, um compromisso. Assim foi que nas aulas seguintes fizemos todos o esforço de tentar compreender, sob a luz de acontecimentos prévios, quem e o que estaria por trás dos ataques ao coração econômico do mundo capitalista. Histórico de ações de grupos extremistas, contexto geo-político, piora nas relações entre Israel e Palestina, posicionamento radical dos EUA em questões ambientais e intromissão americana na política de alguns países, existência de poderosos grupos ultra-conservadores americanos pressionando por maior agressividade ainda.
Enfim, parece que, em geral, os historiadores não se afastaram muito daquelas respostas que com o tempo foram se confirmando. Restou para mim este momento de confirmação profissional, que ficou simbolizada em uma das aulas no Colégio Antônio de Castro Alves em que, perguntado sobre o ataque pelo aluno Alexandre, infelizmente já falecido em um acidente, passei a fazer todas as considerações e abordagens já citadas, ao fim das quais, aconteceu uma coisa que nunca mais vou esquecer: a turma toda me aplaudiu. Não aquelas palmas protocolares ao fim de discursos ou de apresentações. Pela primeira vez era aplaudido pelos alunos porque estavam satisfeitos com a aula.