Diz-se que vai mal a
educação gaúcha, e um dos motivos seria o alto índice de reprovação escolar.
Superar este problema não é simples, por se tratar de questão cultural,
construída no tempo em que a escola era privilégio de poucos. Valoriza-se a exigência,
que nos garantiria um suposto ensino de qualidade, embora excludente. A
excelência do ensino gaúcho esteve baseada na avaliação classificatória. Quando
o desafio passou a ser ensinar bem a todos, iniciaram as dificuldades. Daí a
perceptível resistência sobre mudanças que pareçam significar “facilidades”
para a aprovação. Isto verifica-se, por exemplo, no reestruturado Ensino Médio
Politécnico e na experiência da progressão continuada, nos primeiros anos do
Ensino Fundamental.
É recorrente a opinião de que o aluno
deve ser esforçado e comportado durante o ano para, assim, “merecer” aprovação.
Do contrário, defende-se que deva ser retido na etapa de ensino para, no ano
seguinte, poder “passar mais forte”. Mas a crença de que a reprovação é um bem
que se faz ao aluno que não atingiu os objetivos, mesmo amparada em boas
intenções, não encontra respaldo na realidade. Nada garante que o aluno, ao
repetir a rotina de um ano inteiro, mesmos conteúdos e metodologia, mais velho
entre alunos menores, se sairá melhor que antes. Dificilmente há ênfase aos
conteúdos não assimilados no ano anterior, o aluno repetente recebe o mesmo
ensino dos demais colegas. Não há nenhum tipo de estratégia diferenciada.
Pode-se dizer mesmo que o professor desconhece, no ano seguinte, o motivo da
reprovação, as habilidades não desenvolvidas, os conceitos não apropriados. A
reprovação não é uma ferramenta pedagógica, apenas transfere o problema para o
futuro, sem maiores contribuições.
Por outro lado, é sabido que a
reprovação gera evasão e, por conseqüência, pior qualidade de vida, subemprego,
exclusão social. Baixa escolaridade é também traço comum no perfil de muitos
jovens contraventores. Não se pode, portanto, atribuir a reprovação a causas humanitárias.
Além disso, a aprovação não tem, necessariamente, correspondido a uma
aprendizagem consolidada. Muitas vezes os objetivos curriculares são obsoletos,
sem significação ou relação com a realidade.
Mas o que fazer em
relação aos “relapsos”, que não demonstram empenho, não produzem? E aqueles com
dificuldades de aprendizagem? Reprová-los é a melhor saída? Em alguns sistemas
de ensino, como o inglês, não há previsão de retenção do aluno. Outros paises
admitem reprovação somente após o Ensino Primário. A nossa progressão
continuada estabelece um ciclo de aprendizagem sem reprovação até o 3ª ano. É
possível, pois, uma educação que prescinda da reprovação, muito embora isso
signifique maiores responsabilidades a pais e alunos. E nossas famílias não tem
tradição escolar centenária, o acesso universal é relativamente recente, nem
todos compreendam plenamente a importância do ato de estudar.
O que seria
pedagogicamente mais adequado? O Estado oferecer treze anos de ensino básico,
nada mais, dentro dos quais o aluno deve tratar de aprender o máximo possível,
para seu próprio bem? Ou o Estado, através da escola, atribuir a si mesmo o
papel de tutor intelectual do aluno, decidindo o que é melhor para este,
segundo o entendimento dos professores, não importando o tempo e quantidade de
recursos despendidos?
Este é, possivelmente,
um falso dilema. O problema não está na aprovação ou reprovação, mas no que se
perde quando focamos apenas o resultado final: o processo. É no processo que o
ensino se consolida, onde as ações reparadoras são realmente eficientes. E o
processo implica avaliação permanente, acompanhamento pedagógico, reforço
escolar, encaminhamentos junto à família, junto a especialistas, quando for o
caso. Cabe aos governos garantir estrutura adequada para isso, seja com
pessoal, estrutura física, criando redes de atendimento junto à saúde e
assistência social. Havendo qualquer falha no processo, o resultado final não
pode ser atribuído apenas ao aluno.
Havendo, contudo,
uma avaliação voltada para o processo, uma avaliação como um meio e não um fim,
com a observação minuciosa e constante do desempenho do estudante, envolvendo
os setores escolares e as famílias, pode-se superar a reprovação sem o temor de
uma aprovação artificial, sem aprendizado.